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Vigiar e Punir

Direito Penal 

Análise da Obra

 

FAP - Faculdade de Apucarana

Curso de Direito

Disciplina de Direito Penal II

Profª:  L.

Acadêmico: M. A. P.

2º Bimestre - 2003

 

 

 

·        A Obra

 

            A obra pode ser percebida como um estudo científico, fartamente documentado, sobre a evolução histórica da legislação penal e respectivos meios coercitivos e punitivos adotados pelo poder público na repressão da delinqüência, desde os séculos passados até as modernas instituições correcionais.

 

            É abordado o grave problema social que é enfrentar a criminalidade organizando um sistema judiciário e coercitivo. Cada época é documentada pelo autor; desde a que usava a violência física até o tempo dos institutos penitenciários modernos.

 

A obra é segmentada em quatro partes; o suplício, a punição, a disciplina e  a prisão; tornando-se um referencial sobre o tema já em 1975, ano de sua publicação.

 

No decorrem da evolução da sociedade, foram variados os métodos utilizados para a punição de elementos criminosos. Cada um dos métodos utilizados refletia a época, a sociedade e o pensamento humano e sua respectiva fonte de poder. São percebidas vicissitudes sociais que trazem para si a transformação dos métodos cruéis de pena para a tentativa de recuperação e reintegração social do indivíduo.

 

Na obra vigiar e punir, o autor tenta estabelecer uma linha histórico-social da realidade e evolução do direito de punir e dever de recuperar imposto ao Estado, tornando-se uma obra clássica do tema.

 

 

 

·        O Autor

 

            Michel Foucault, Filósofo e pensador francês, nasceu em Poitiers no ano de 1926 e faleceu no ano de 1984. Formado em Filosofia e Psicopatologia, foi discípulo de Louis Althesser. Concentrou sua inteligência na reflexão de graves problemas do ser humano e da sociedade.. Autor dos livros As Palavras e as Coisas, Introdução à obra O Sonho e a Existência de Binswanger, Doença Mental e Psicologia, História da Loucura, Nascimento da Clínica, Raymond Roussel, As palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber e A Ordem do Discurso; entre outras.

 

            Vem desenvolvendo investigações sobre a estrutura das instituições judiciais e penitenciárias na época moderna. Sua obra também muito contribuiu para o movimento antipsiquiátrico e antipedagógico.

 

 

 

·        O Conteúdo

 

Historicamente, a humanidade é rica em exemplos de punições de crimes que mostravam-se mais violentas e mesmo criminosas que o delito punido, desde sofrimentos múltiplos até a pena capital executada com requintes de crueldade que deixam com grande inveja qualquer admirador maquiavélico.

 

            A execução da pena era mais um espetáculo que um procedimento político-administrativo, com direito a platéia que se deliciava com as confissões, a ferro, do infrator e dos procedimentos “técnicos” dos executores. Também eram cômicos os procedimentos processuais, os quais corriam sob a cobertura quase que total dos detentores do poder.

 

            Com a evolução dos pensamentos e sentimentos da sociedade, houve também um progresso constante na forma processual, punitiva e executiva, primeiramente tornando o processo mais acessível ao réu, depois dando-lhe o direito a sua defesa. No plano de execução, houve a transição para penas cruéis para mais dignas, onde o sofrimento e a penúria humana passam a serem mais dignas. Também a proporcionalidade entre o delito e a pena foi adquirindo uma relação mais adequada com as constantes vicissitudes do procedimento repreensivo.

 

            É percebida uma posição entre os estudiosos das ciências sociais que, faz-se necessário a remoção do posicionamento vertical existente entre o detentor do poder e o condenado. Havendo uma melhor reposição desta óptica, haverá uma melhor dosimetria nos suplícios impostos aos condenados, substituindo com isso a vingança pela punição.

 

            O balizamento adotou as concepções da alma humana para estabelecer limites para a punição, obtendo-se com isso a evolução dos sistemas punitivos. Tal como em Beccaria e outros, foi percebido a necessidade da real proporção entre a pena e o crime, para que o soberano não saísse dos limites legais ao punir o infrator.

 

            A modificação do ponto de vista punitivo, o qual passa a atacar os bens do criminoso ao invés de seu corpo físico, faz com que haja uma maior humanização da pena e que melhore o espectro de seu sucesso.

 

            O aumento demográfico, industrial, comercial e metropolitano faz nascer a exigência de uma melhor codificação penal, do processo e dos procedimentos adotados.

 

            Nasceram algumas regras lógicas para a atuação dos sistemas repressivos e punitivos, tal como a da idealidade, dos efeitos laterais, da certeza perfeita, da verdade comum, da especificação ideal, da individualização da penas. Também devem ser observadas a minimização das arbitrariedades, a desvantagem social e pessoal do crime, a modificação benéfica do indivíduo pela pena, divulgação da aplicação da pena e a perfeita relação entre a eficiência da lei e o custo de sua elaboração.

 

            A reclusão do indivíduo do resto da sociedade é visto por alguns como a forma perfeita para a sua “cura social”, uma vez que é possibilitado a ele o tempo para as reflexões necessárias ao seu feito. O trabalho neste contexto é tido também como elemento modificador da situação marginal do contraventor, contribuindo para a sua recolocação dentro da sociedade.

 

O trabalho mental e corporal do ser humano é tido como uma forma de amoldá-lo numa situação desejada pelo seu superior hierárquico, independentemente do tipo de hierarquia observada.

 

Quando o governo molda seus cidadãos, faz uma parcela destes como sua ferramenta de administração, com exemplo notório dos soldados, os quais são moldados para desempenharem operações desejadas pelos governos, que até mesmo são contra os seus preceitos interiores. Da mesma forma observa-se a política como um molde para a consecução da construção do cidadão adequado, mas esta de forma mais dissimulada da tida nos quartéis, uma vez que nas escolas, empresas, fábricas, conventos e outras instituições de aglomeração é mister o uso de táticas mais amenas fisicamente.

 

A forma e os métodos para o controle o observação das atividades desempenhadas pelos indivíduos são múltiplas, mas todas possuidoras de conceitos básicos de disciplina, tal como a regra básica do controle do horário, a explicitação da hierarquia, a delegação e cobrança de atividades, a vigilância constante e a coerção visível e a certa sanção gerada por leis inerentes a cada situação específica.

 

O poder gerador das normas de manutenção da disciplina sempre enaltecem a pessoa de quem as criou, uma vez que o respeito sempre faz menção ao elaborador ou garantidor da norma.

 

Na parte final do século XVII, quando era evidenciada a peste em uma localidade, com o intuito de fazer seu controle, era determinada uma série de atitudes oficiais, tal como o policiamento rigoroso da área, o fechamento das casas, e imobilidade máxima atingida de seus residentes e a severa inspeção de tais procedimentos. Foram designados responsáveis pela inspeção de tal atitude, os inspetores, os quais além de providenciarem a inspeção eram encarregados do devido registro da mesma. A posterior purificação das casas era feita com o lacre total das mesmas e a queima de perfume, técnica rudimentar para os dias atuais mas uma das poucas eficientes para a época.

 

Tal procedimento reflete um modelo compacto de disciplina, onde se faz valer pela sua grande virtude que é a análise dos fatos e situações. Com a disciplina implantada, o poder tem uma rota de acesso livre ao povo.

 

            Bentham é o mentor principal do Panóptico, dispositivo estruturado de forma a permitir ver e reconhecer de imediato um indivíduo, também postá-lo em um local onde não há a possibilidade de complô, evasão coletiva, reciprocidade de más idéias e influências. Em tal lócus é preservada a individualidade e a constante vigilância, o que assegura o automático funcionamento do poder.

 

            Houve, no decorrer da era clássica, a generalização dos métodos disciplinares com o uso da física de Bentham, uma vez que tal forma vez a tirar as forças dos elementos nela contidos.

 

            Postando as características da cidade pestilenta paralelamente ao panóptico, podemos perceber que na primeira o poder é posto em evidência real, com disciplina excepcional e violenta.

 

O segundo percebemos uma instituição fechada em si mesmo, onde o poder não é visto, mas amplificado e organizado e sentido de forma marcante, levando com isso as forças sociais a terem mais força.

 

            O centro da soberania política é que detém o poder, alicerçado pelo desempenho da polícia e outras instituições de fim determinado, as quais desempenhavam a tarefa de eternas vigilantes da sociedade. Com isto, a disciplina torna-se um tipo de poder e não simplesmente uma instituição.

 

            È notório que a instituição de uma sociedade disciplinar fica ligada a um determinado número de processos históricos, econômicos, científicos, jurídicos entre outros. Tais processos têm causas na evolução e crescimento natural da sociedade.

 

            A disciplina tende a tomar providências que visam anular tal evolução, tal como a separação vertical de indivíduos, atuação de maneira discreta, certeza de onipresência, entre outros.

 

            A disciplina e as liberdades sempre vão andar em rotas que por vez se interceptam, o que aconteceu com a disciplina é que esta se ficou tomada na vertente obscura do processo de libertação desencadeado pela ascenção da burguesia.

 

            Tal como na Idade Média foi inventado o inquérito, no século XVIII foi inventado a técnica da disciplina e o exame. O primeiro é tomado como técnica de busca da verdade constatada, que se opunha diretamente às técnicas de julgamento de Deus. O segundo é um processo que invadiu a problematização do criminoso por traz de seu crime.

 

            A prisão é uma peça fundamental no conjunto de punições da época, responsável pelo processo de repartição dos indivíduos e retirada dos mesmos do máximo de seu tempo e forças, com o intuito de impor uma nova forma ao indivíduo pervertido. Mesmo sendo detestável, é uma peça que ainda não se pode abrir mão.

 

            Existem algum tópicos que minimizam a indelével e prejudicada adjetivação das prisões; ela é mais igualitária que a multa e também tem a objetividade de transformação dos indivíduos. Para tanto ela deve ser tomada como um mecanismo diferenciado, dinâmico e finalizado, nunca devendo ser confundido com a simples privação de liberdade.

 

            Para o cumprimento de suas funções e portanto para ser um instrumento positivo de reforma, esta deve possuir algumas características imprescindíveis; tais como o isolamento do condenado em relação ao mundo exterior motivador de sua infração, isolamento em relação a outros detentos e a prevenção de formação de uma comunidade unida entre detentos.

 

            Vários foram os modelos de prisão, passando pelos sistemas de prisões explicitas ao público, pelas carruagens ambulantes até as enclausuradas e dissimuladas. Cada uma delas com suas virtudes e aberrações.

 

O modelo de Auburn prescreveu o trabalho e refeições em comum aos detentos, o recolhimento individual na noite e a permissão da fala somente verticalizada e necessária. Com isso há uma reprodução em escala menor de uma sociedade posta, com seus preceitos e regras.

 

            Já o Modelo de Filadélfia previa o isolamento absoluto para que o indivíduo se requalifique em relação a si mesmo, com sua própria consciência.

 

            Na oposição entre tais modelos originou-se vários discursos, de motivação religiosa, médica, econômica, arquitetural e administrativa, entre outros; mas comum apresentavam em seu centro a polêmica da individualização coercetiva do indivíduo.

 

            O trabalho penal surgiu como um elemento de transformação do indivíduo encarcerado, não sendo tomado como uma adição ou corretivo do regime de detenção, mas sim como um modulador da pena e motivador dos conteúdos pessoais do detento, sendo mesmo a ser recompensado em alguns locais.

 

            A pena proporcional às circunstâncias do crime permite que haja a quantificação exata do valor de troca entre a sociedade e o encarcerado. Devendo ser individualizada para a perfeita punição e recuperação desejadas. È de se ver com bons olhos quando Bonneville apresentou, em 1846, seu projeto propondo a liberdade do encarcerado quando este apresentasse certas condições de reintegração e explicita recuperação.

 

            A prisão é um lócus de execução da pena (pela disciplina) e também de observação dos indivíduos (pelo exame), sendo então notório o aparecimento de técnicas para a sua administração.

 

Tal ordem penitenciária evidenciou e promoveu o aparecimento do juiz encarregado da aplicação das penas. Tal pessoa seria o encarregado de fazer com que o castigo fosse aplicado de forma legal, referindo-se este a um ato. Da mesma forma a técnica punitiva refere-se a uma vida. Logo, a tal técnica e o indivíduo delinqüente são os lados opostos da mesma moeda de valor social.

 

A técnica penitenciária visa fazer da prisão um local onde o poder de punir do Estado fica organizado de forma objetiva e silenciosa, tendo como objetivo fazer da pena um remédio para o mal do indivíduo.

 

            Há muito se percebeu que as prisões não diminuíam a criminalidade, podendo mesmo até majora-lá, e em muito, devolvendo à sociedade indivíduos mais tortuosos que os recuperados então desejados.

 

            Existem algumas condições que devem estar dispostas nas “condições penitenciárias” para que estas atinjam seu pleno efeito; entre elas a função essencial de transformação, o isolamento-repartição dos detentos em classes adequadas, penas adaptadas e dinâmicas a cada caso, o trabalho como elemento transformador, a educação do detento, o uso de pessoal especializado no trato com detentos e sua situação e medidas de controle do detento e sua família durante e depois do encarceramento.

 

            È necessária a análise dos fatores que levam ao nascimento e desenvolvimento do crime, tal como educação, limites da pobreza, disparidades sociais e pessoais e tendências políticas do uso do poder entre outras.

 

            A prisão de Mettray marca a entrada do Estado na forma mais intensa de disciplina, concentrando todas as tecnologias e lógicas de controle coercetivo do comportamento humano; baseado em princípios da disciplina militar do adestramento verticalizado. A psicologia científica tem sua germinação nesta data segundo os letrados desse tema.

 

            Como a justiça penal tende, dentro da prisão, a transformar o processo punitivo em técnica carcerária, nota-se a presença e o desejo de certos acontecimentos; tal como a gradual-lenta-contínua regressão do ato criminal, a recuperação do indivíduo pela organização e disciplina, tornar o ato punitivo em prática natural e legítima, perspectiva do sistema carcerário como uma medida terapêutica da sociedade, constante observação da situação carcerária e sociológica dos indivíduos, perspectiva dinâmica do processo punitivo e adequação dos meios e poderes políticos sobre a função corretiva.

 

            Nota-se que a prisão e seu sistema, não devem ser encarados como filhos da lei nem do aparelho judiciário, mas sim de um conjunto de dispositivos que tendem e desejam fazer a correção dos adjetivos danosos a sociedade.

 

 

 

  • Bibliografia

FOUCAULT, M. Vigiar e punir , Petrópolis, Editora Vozes,1996, 13ª edição, tradução de Raquel Ramalhete.

2. Retorna


2003